Não vão calar os professores

Tramita na Câmara de Vereadores de Joinville e em diversos locais do país um projeto de lei que visa proibir a liberdade de expressão nas escolas. Ele determina que todo professor deve abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de suas famílias. Temas como política, gênero e religião não poderão ser discutidos em sala de aula.

A apresentação de tal projeto está sendo impulsionada pela organização não governamental (ONG) Escola Sem Partido. Em Alagoas uma lei neste sentido já foi aprovada e, em Cuiabá, sua tramitação está avançada. Em Joinville, a proposta tem o número 221/2014 e foi apresentada pela vereadora Pastora Leia. Ela recebeu parecer favorável da Comissão de Legislação e estará em discussão na próxima reunião da Comissão de Educação, que acontece dia 7 de junho, às 16 horas, na Câmara de Vereadores.

Por trás do conceito etéreo de imparcialidade, esta proposta inviabiliza a socialização do conhecimento em várias áreas, cerceia a atividade sindical e o movimento estudantil. Sua função no atual momento político é calar vozes e apagar a história, impedindo a discussão sobre qualquer assunto que possa levar os jovens a refletirem e exigirem mudanças sociais. A aprovação dessa lei seria um retrocesso de centenas de anos.

A campanha “Contra a Lei da Mordaça” está sendo desenvolvida por sindicatos, entidades estudantis e do movimento social não só de Joinville, mas de todo o país. Aqui, pedimos a realização de uma audiência pública para debater o assunto.

Um pouco de história

O sistema educacional brasileiro é o que restou da educação francesa. Em 1881 e 1882 a Assembleia Nacional desse país aprovava leis que iriam dar fundamento a grande parte dos sistemas educacionais republicanos pelo mundo. Esse sistema estava fundamentado em três pilares: gratuidade, obrigatoriedade e laicidade. Esses padrões foram conquistas da conscientização dos franceses, adquirida com a Comuna de Paris (1871), primeiro governo dos trabalhadores na história.

O Brasil, de forma muito atrasada, também registrou esses três pilares na recente democratização do país, na Constituição de 1988. No artigo 206, foi ressaltada a “liberdade de aprender, ensinar e pesquisar”. Porém, antes mesmo de se solidificar, a história do Brasil já sofreu duros golpes. Entre o final do século 20 e a primeira década do século 21, a educação pública passou a ser sucateada e precarizada, aumentando o ensino particular e o lucro dos empresários do setor.

“Imparcialidade”

Os projetos que tramitam nas Câmaras Municipais, Assembleias Estaduais e Congresso Nacional têm como base a censura. Seus textos variam e utilizam frases como: “o professor deve ser imparcial”, “o professor não pode discutir religião” e “o professor não pode ter tendência partidária”.
Vejamos alguns exemplos do que significa “imparcialidade” com o conhecimento e o que os professores teriam que evitar dizer:
  • Que a ditadura militar no Brasil foi orquestrada pelo imperialismo norte-americano e matou milhares de jovens e trabalhadores.
  • Que na Idade Média quem lia e discordava dos algozes era queimado em praça pública pela Igreja e pela coroa.
  • Que a escravidão já foi lei e que o Brasil foi o último país a acabar com essa barbárie.
  • Que o Nazismo foi um dos maiores massacres que a humanidade já viu.
  • Que Darwin existiu.
  • Que os jovens e trabalhadores têm força para derrubar o Congresso Nacional.
  • Que os maiores avanços de nossos direitos vêm de grandes revoluções.
  • Que o direito de escolha sexual e religiosa é privado e não diz respeito aos governantes.
A ONG Escola Sem Partido possui, sim, uma ideologia e um lado. Ela tenta impedir que os  professores socializem o conhecimento acumulado pela humanidade e a formação de uma geração com capacidade crítica. Proibir a livre discussão é retroceder à Idade Média, à inquisição. A UJES defende uma escola pública, gratuita e laica, onde professores e estudantes tenham liberdade de expressão e direito à divergência.


Todos os professores, estudantes e pais estão convocados a engajarem-se na luta por uma escola livre, onde haja busca permanente pelo conhecimento, onde nenhuma pessoa seja discriminada por sua opção ideológica, religiosa ou sexual. Uma escola em se possa divergir, aprender com os demais e com a história, defender nossos direitos e lutar por um mundo mais justo.